O acidente de
trânsito é uma das formas de violência contra o homem mais bem aceito pela
sociedade. Tem sido possível observar não apenas que as mortes decorrentes de
acidentes de trânsito são encaradas com bastante naturalidade como também, em
geral, o motorista não procura dirigir com segurança. Aliás, a bem da verdade,
as pessoas saem dirigindo por aí de qualquer maneira, cometendo todo tipo de
infração, arriscando-se sem necessidade. Mais que isto, quando alguém tem a
ousadia de chamar a atenção para um comportamento inadequado e perigoso, essa pessoa
cai em desgraça junto à sua própria comunidade.
Atualmente tudo
parece indicar que a própria economia do país, bem como os direitos e a segurança
das pessoas obedientes às leis estão sujeitas a um severo ataque devido às
atividades criminosas de certos indivíduos em nosso meio.
O crime é um
problema sério e tende a ser ainda mais sério do que se imagina. Acredito que
isto está claro para o público. O que parece realmente claro, contudo, é o
crescimento do número e da gravidade dos ataques à segurança pessoal e à
propriedade, que são consequências dos acidentes de trânsito. Poder-se-ia até
dizer que temos desenvolvido, em nossa cultura, diferentes atitudes em relação
às mortes e ferimentos, que não dependem do fato em si, mas de maneira como as
pessoas são mortas, feridas ou perdem suas propriedades.
Parece estranho,
realmente que o público não se mostre horrorizado com o número de pessoas
mortas ou feridas em acidentes de trânsito, como se mostra diante das mortes e
ferimentos decorrentes de ataques de criminosos e outras formas de violência.
O Papel da
Polícia
Ainda hoje –
embora quase todos os cidadãos mortos ou feridos em acidentes de trânsito estejam
envolvidos, inicialmente, em danos à propriedade pública – existem as pessoas
que acham que a polícia não deveria combater os acidentes, mas apenas
realizar procedimentos rotineiros, coletando nomes e preenchendo formulários
elementares, implementando só campanhas educativas. Outros defendem que quando a polícia viesse ao local do acidente,
somente em casos muito especiais, seriam feitas autuações ou prisões.
Há até mesmo
quem, apesar de preocupado com o problema do número de acidentes de trânsito
por ano, diga que a fiscalização de trânsito pela polícia é irritante para o público
e nocivo aos esforços que a polícia faz para obter o apoio do grande público, e
questione a propriedade do envolvimento da polícia em programas de fiscalização
de trânsito, com o propósito de reafirmar certos padrões e valores sobre os
quais podem ser tomadas decisões importantes a respeito de melhoramentos na fiscalização
destas leis.
Não é pouco
comum perguntar a um policial porque ele emitiu um auto de infração ou prendeu
alguém ao receber a resposta: Porque o indivíduo violou a lei. No entanto,
estes mesmos policiais não autuam nem prendem todos aqueles que eles veem
infringindo as leis de trânsito.
Outra razão dada com regularidade é que
autuações e prisões são feitas porque o policial prestou um juramento no sentido
de que faria cumprir e fazer cumprir as leis de trânsito, tanto quanto todas as outras leis. E ainda,
se esta fosse a base de suas ações, ele autuaria e prenderia todas as pessoas,
por todas as infrações.
A essa altura o
leitor pode concluir que está pronto para ver a defesa da autuação e da prisão para
todas as pessoas, toda vez que infringissem alguma lei, não importando as
circunstâncias. Isto estaria, é claro, em completo desacordo com o razoável e
com qualquer senso de justiça.
A questão aqui é
que o propósito da fiscalização de trânsito não é bem entendido nem pela polícia,
nem pelo público. Uma definição acessível e razoável de fiscalização de
trânsito é: ação tomada pela polícia e pela justiça para compelir a obediência
aos estatutos e leis que regulamentam o movimento e o uso de veículos, no
propósito de criar elementos dissuasores do comportamento ilegal para todos os
infratores em potencial. É a preocupação com este propósito dissuasor que parece
estar enfraquecendo na fiscalização que é exercida sobre a obediência às leis
de trânsito.
Afinal, se o
propósito da fiscalização é coibir o comportamento ilegal na não ocorrência de acidentes,
então a fiscalização das infrações de trânsito que resultam em acidentes é
absolutamente essencial. Então, o objetivo básico da fiscalização de trânsito
pode ser também assegurar o cumprimento dos estatutos e regulamentação por
todos os usuários da via, mesmo quando nenhum policiamento está presente para
fiscalizar. Claro que o efeito dissuasor poderia não ser visto como um fator
isolado, mas sim operando em combinação com outras forças coibidoras como uma responsabilidade
básica, hábitos de segurança, pressão social, medo de se ferir ou morrer, ou
medo de perdas econômicas. Muitas pessoas se conformam à lei, se sabem o que
ela é, sem coação direta ou supervisão, simplesmente porque acreditam em se
comportar de acordo com a lei como se comportam de acordo com a moral,
tradições e costumes. Considerando, entretanto, as tragédias, as perdas de vida,
os ferimentos e as perdas de bens que temos sofrido com os acidentes de
trânsito, a supervisão ao comportamento dos motoristas e dos pedestres precisa
ser incrementada.
Ainda que tenhamos
presenciado um melhoramento louvável nas estradas interestaduais e nas vias
secundárias os melhoramentos nas vias expressas não acompanharam o crescimento
do número de veículos.
Desta forma, é
clara a necessidade de que esse sistema tenha uma utilização mais ordeira e obediente
às leis, por meio do aumento da supervisão pela polícia e de uma fiscalização
mais efetiva pelos tribunais. Sem uma fiscalização mais intensa e aperfeiçoada,
nossas ruas e vias se tornarão cada vez mais caóticas.
Par tornar a
fiscalização mais efetiva há certas crenças fundamentais que precisam ser desenvolvidas
e fortalecidas junto ao público, sem as quais a fiscalização não poderia ser verdadeiramente
efetiva. O público precisa acreditar que é razoável tanto existirem as leis de trânsito
como existir a fiscalização dessas leis pela polícia, pelos tribunais e órgãos
emitentes de carteiras de habilitação. Uma política razoável para a polícia é:
Uma ação fiscalizadora deve ser tomada diante de detecção de um ato ilegal e
potencialmente perigoso, não importando fatores irrelevantes como: atitude,
intenção, risco real presente ou desculpas frívolas.
Explicação da
Política
Ação
fiscalizadora inclui todas as atividades de repressão ou prevenção, desde a
advertência ou aviso dado por sinal de mão ou conversas com o infrator, até, e,
inclusive, a tomada do infrator sob custódia.
Tal ação, é
claro, não pode ser tomada até que um policial detecte um ato ilegal, mas a política
aponta a necessidade de tomada de ação de fiscalização para atos ilegais ou
potencialmente arriscada. O risco potencial de qualquer infração pode ser
determinado pela predominância dessa infração no histórico dos acidentes da
comunidade, bem como por meio da observação, pelos agentes da fiscalização de
trânsito, de atos que aumentam a probabilidade de congestionamentos.
A política
determina:"... não importando fatores irrelevantes como a
atitude....". Isto significa que se um policial fosse aplicar todos os
testes conhecidos para medir o comportamento do infrator, ele realmente não
poderia dizer qual a atitude do infrator, a não ser a que ele teria no instante
do teste. Em segundo lugar, em um contato de fiscalização a avaliação da
atitude de um infrator é feita, provavelmente, sob as piores condições, já que
se o policial observar cuidadosamente o comportamento daqueles que foram
parados por infrações às leis de trânsito, ele verá que o infrator muitas vezes
está nervoso, desconfortável, transtornado por ter sido parado e, desta forma,
não está em condições psicológicas de demonstrar sua atitude básica.
Finalmente, as
leis de trânsito não dizem que está certo infringir as leis de trânsito se você é
uma boa pessoa e errado se você não é uma boa pessoa. Elas simplesmente dizem o
que seria ilegal, não importando que tipo de pessoa você seja. A intenção não
deve ser considerada na determinação da aplicação ou não da ação fiscalizadora,
nem na escolha do tipo de ação a ser tomada, porque não é um elemento de prova
para a lei; além disto, parece intuitivamente razoável concluir que ninguém tem
realmente a intenção, salvo raras exceções, de infringir a lei e assim arriscar
a si mesmo e aos outros. Em nossos acidentes de trânsito? Quem pretendia ferir a
si mesmo ou a qualquer outra pessoa nos acidentes deste ano ou do ano passado?
A política
também considera os riscos reais existentes tão irrelevantes porque não podemos
esperar até que o acidente aconteça para então determinarmos o risco. Por
exemplo, não é incomum para uma pessoa que desobedece a um sinal de parada e é parado
por um policial, queixar-se que mesmo que houvesse parado, não havia outro
carro à vista cruzando a via.
Esse tipo de
argumento por parte do infrator implica que se houvesse outro veículo muito
próximo, de forma a constituir um risco real existente, ele teria parado no
sinal. Uma análise da experiência em acidentes, no entanto, demonstra não ser
assim que as pessoas se comportam.
Finalmente, em termos
de desculpas frívola a política simplesmente pergunta: Qual é uma desculpa
para matar ilegalmente outra pessoa? Qual uma boa desculpa para mutilar e
ferir? Qual uma boa desculpa para impedir que uma pessoa faça uso legal de sua
propriedade?
A Sensação de
Ser Fiscalizado
Precisamos
melhorar a imagem da onipresença da polícia: que eles sempre estão lá, a observar,
de modo que o público possa estar certo de que a obediência ou não aos
estatutos e regulamentações de trânsito, está sendo observada pela polícia. Uma
maneira que algumas comunidades encontraram para estabelecer essa crença é por
meio do uso misturado de viaturas identificadas e não identificadas. Já há
aqueles, em nosso país, que dizem que o uso de veículos não identificados pela
polícia em suas patrulhas é injusto, pois este tipo de fiscalização não está de
acordo com o senso de jogo limpo dos brasileiros. Portanto, pareceria que
aquelas pessoas, caso fossem presas por policiais apaisana, achariam
incorreto um policial circular por aí, aparentando ser um outro cidadão
qualquer.
No entanto, não
há nenhuma queixa das pessoas da comunidade pela circulação de policiais fiscalizando
outras coisas em veículos não identificados e sem uniformes. Isto talvez
aconteça porque, na cabeça do público, as pessoas mortas, feridas ou que perdem
suas propriedades como resultado de um ato
criminal estão sob certos aspectos mais mortais, mais feridas e têm perdido suas
propriedades de uma maneira mais significativa que aquelas mortas ou feridas em
acidentes de trânsito.
(Autor : James M. Slavin Original : Traffic Quartely)
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