No dia em que morri o
sol brilhava intensamente. Era uma linda primavera. Aberta para a plena alegria
de viver. Sentia o colorido e a fragrância das flores e o afinado canto dos
pássaros, quando não estavam à cata de alimentos para os seus filhotes. Na saída
da casa, lembro-me, era uma quarta-feira ensolarada, meu filho caçula me
abraçou e me beijou na despedida de uma viagem a trabalho que teria de realizar
numa cidade próxima. O vizinho cumprimentou-me, desejando boa sorte. Compromisso
agendado para o início da tarde. Há doze anos sou habilitado e dirijo veículos.
Nunca me envolvi num acidente automobilístico.
Entro no automóvel
cedido pela empresa. Um veículo sofisticado, moderno e potente. Com freio ABS e
air bag. Sempre desejei possuir um
veículo desse. O meu tinha doze anos de uso, e estava na oficina para conserto.
Prometi, porém, ao meu patrão que conduziria com todo zelo. Coloquei o cinto de
segurança.
Quando estou trafegando
pelas ruas, só de pensar em dirigir á vontade, mal pude conter o ímpeto de
botar aquela possante e bonita máquina a cem quilômetros por hora. Saí logo
para a rodovia ... queria correr. Sentir o vento fustigar minha face, ver os
140 por hora no velocímetro. Pisei firme ao acelerador, alcancei os noventa,
ultrapassei os cem, um carro na minha frente não andava e quis ultrapassá-lo.
Infleti à esquerda e apertei
o pé no acelerador, mas não vi uma carreta, que vinha em na sua mão de direção,
e colidimos frontalmente. Ouvi um estrondo, pedaços de ferro e vidros voaram. Senti
meu corpo despedaçar-se e percebi que gritava de dor. Um só grito. Havia muito
popular me olhando com sentimentos de tristeza e pavor. Reconheci um amigo de
infância com olhar de horror, porém ele não me reconheceu. Meu corpo estava
estraçalhado e preso entre as ferragens. Eu não mais sentia dor alguma, tentei
erguer-me, mas não conseguia sequer
mover um dedo.
Ouvia que uma
ambulância e aproximava de mim, soando o alarme estridente. Depois tudo sumiu
numa imensa escuridão. Acordei e ao meu lado havia médicos, guardas,
enfermeiros. Cobriram-me com um lençol. Puseram-me em uma maca e, após, na
ambulância. Levaram-me ao hospital mais próximo, e depois para o necrotério. Hei!
Tirem isso de cima de mim. Tirem-me dessa mesa gelada de mármore! Eu não posso
está morto, tenho só trinta anos. Minha esposa e meus filhos me esperam. Quero e
preciso viver. Tirem este lençol que me incomoda. Por favor, deixem-me sair
daqui!
Mas ninguém me ouvia,
não sei por quê. Minha esposa, com o rosto lavado em lágrimas, chorava
desesperadamente. Afirmou ao médico que realmente era meu corpo. Minha mulher debruçada
sobre o meu tórax, soluçava em desespero, acariciando meus cabelos. Meus velhinhos
e queridos pais ainda não haviam sido comunicados, nem meus filhos.
Por favor, acordem-me! Tirem-me
deste ataúde e deixem-me sair. Tenho somente trinta anos e uma vida inteira
pela frente. Quero viver. Preciso trabalhar para oferecer uma vida digna para
minha família. Quero o amor dos meus familiares. Quero continuar amando a vida,
ver meus filhos crescer, competir nos esportes, estudar ... Tenho orgulho da
minha prole. Quero ver o meu clube do coração sagrar-se campeão este ano.
Deus! Onde estás que
não respondes? Mesmo que não queira responder, dá-me outra chance, prometo que
serei o motorista mais cuidadoso do mundo. Tudo o que desejo é somente viver. Quero
continuar compartilhando a vida com meus filhos, esposa, familiares e amigos. O
verão e as férias se aproximam. Quero na praia rever meus familiares e amigos. Por
favor, me dê somente mais esta chance!
(texto extraído da
obra, TRÂNSITO, de Almeida JUELCI).
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